Desculpa

Gisela Hasparyk
2 min readJan 13, 2020

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Filho amado,

Você chegou de surpresa, não era esperado. Nos escolheu para vir a este mundo e nós te acolhemos. Gerar-te no ventre foi uma linda aventura. Entrelaçaste as nossas raízes e foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.

E então você nasceu. Não nasceu como eu imaginava, como eu queria. Sou humana com cargas kármicas e genéticas, minhas e por aí além. Tudo bem. Vieste ao mundo da melhor forma possível e dei de mim tudo que era possível.

Sempre quis ser a melhor mãe do mundo, mas não pude doar-me inteiramente à maternidade, perdoa-me. Desde o primeiro momento, procurei, em cada pedaço de tempo, trabalhar em busca de um projeto. Um projeto que fosse meu, que ninguém pudesse fazer por mim, e que nos permitisse viver a vida que sonhei para nós. Um projeto que fizesse a diferença na nossa, mas também na vida de outras pessoas, que lhes tocasse o coração e lhes ajudasse a evoluir. Lutei tanto por ter o meu tempo. Tive tanta paciência para construirmos o nosso ninho e ter o meu espaço, e agora que o tenho, vejo como poderia ter feito diferente, mas também reconheço o quanto foi e continuam a ser importantes os meus momentos.

Me desculpa filho, por querer ter todas as manhãs só para mim. E por tanto desejar, mesmo que só na minha cabeça, que o meu ritual matinal fosse como antes. Você já não deverá se lembrar exatamente, mas a aveia ia toda para você, escrever parecia impossível, e então yogar ganhou um novo sentido… Acordar antes de ti, impossível. Eu acordo, você acorda, eu choro, você chora, eu adoeço e você também, eu estou saudável, você também — não tão saudável quanto isso, afinal, as bolachas recheadas são outra coisa que são apenas minhas — você dorme e eu tenho um mundo de coisas para fazer e um universo de coisas para escrever, mas estou tão, mas tão cansada, choro mais um pouco sem você me ver.

Desculpa filho, és o Ser mais alegre e feliz com quem alguma vez já me cruzei, no entanto, a primeira emoção que atribuiste a palavra foi a tristeza. “Mamãe tá triste”. Triste. Triste, mas feliz por poder compartilhar a sua própria tristeza sem medos, podendo apenas vivê-la ao lado de quem se ama, recebendo carinho, abraços e cuidado. Triste mas feliz por poder ensinar-te a conviver de forma leve e despreocupada com a tristeza, lado a lado, não como inimiga, mas como o que ela exatamente, e tão apenas, é: uma emoção.

Desculpa filho, toda esta culpa, quando lhe escrevi esta carta, ainda havia muita culpa em cima da mesa.

Desculpa, filho.

Te amo muito além dos sóis,

Um Beijo,

Mami.

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